.jpg)
02/09/2016 12:56
Por Leandro Mello, de Ladoux (França)
Parece natural que uma fabricante de pneus mundialmente reconhecida forneça o equipamento para as equipes da MotoGP. Bastariam alguns ajustes na receita do Michelin Power Slick que qualquer um de nós pode comprar numa loja, certo? A realidade é que existe um mundo de diferenças, começando pelo fato que o pneu de “prateleira” tem uma receita pronta que é replicada milhares de vezes pelo maquinário da fábrica. Se você acompanha a MotoGP sabe que existem as opções de slick macio, médio e duro, o intermediário (pista pouco molhada) e para pista molhada extra macio, macio e duro, portanto sete variações de dianteiro e outras sete de traseiro desenvolvidas para o campeonato. Quase isso, porque estas 14 configurações são criadas e produzidas para cada prova!
Os slick macios do GP da Áustria não foram repetidos na República Checa, e assim por diante com as outras variações para as 19 provas disputadas na temporada. Cada corrida necessita uma receita específica, por exemplo, na Argentina o asfalto estava muito quente, mas a aderência era ruim; na Holanda, asfalto bem emborrachado devido ao calendário intenso de corridas durante o ano com temperatura sempre fria e umidade elevada. Além do clima e tipo de asfalto, também entra na equação a distribuição entre curvas para esquerda e direita, que pode antecipar o desgaste assimétrico de uma lateral. Por isso os jogos de pneus são produzidos artesanalmente para cada prova (incluindo processos manuais no lugar dos automatizados) e as equipes buscam novos acertos para as motos em todos os fins de semana de corrida, para não dizer a cada dia.
Quando o clima muda perde-se grande parte do trabalho realizado nos testes da véspera, como o diretor da equipe Yamaha Lin Jarvis me contou desapontado no fim de semana do GP da Áustria: dias antes treinaram no circuito com temperaturas próximas de 30°C e chegaram a ajustes que deixaram a moto excelente, mas na sexta-feira antes da prova a temperatura caiu pela metade. Isso muda tudo, a calibragem usada nos pneus, regulagem das suspensões, atuação da eletrônica... Não é à toa que alguém da equipe checa freneticamente a temperatura do asfalto de minutos em minutos.
Barreiras reais
Anos atrás o chefe dos mecânicos de Jorge Lorenzo, Ramon Forcada, me disse que os pneus eram a barreira para que as motos se tornassem ainda mais rápidas. Os motores já têm potencial para render mais de 300 cv, mas é preciso administrar os limites de durabilidade, aderência e inclinação em curvas. Neste primeiro ano da nova fornecedora de pneus, mesmo com a regressão que representou o gerenciamento eletrônico padronizado (inferior ao usado até 2015 pelos times de ponta, que compararam com o que tinham dez anos atrás) e apesar do aumento de diâmetro das rodas estipulado pelo regulamento, de 16,5 polegadas para as 17 usadas nas ruas, já vimos recordes de tempo de volta sendo quebrados nas pistas em 2016.
Todo esse esforço de engenharia em busca de motos mais rápidas parece um mundo distante da realidade das ruas, mas perderia o sentido se não pudesse ser aproveitado como vantagem para os produtos de série vendidos por essas fabricantes. O diretor de Motorsports da Michelin Pascal Couasnon explica que no caso dos pneus “a busca por tecnologias para otimizar a performance em condições adversas e de pisos tão distintos, conciliando a necessária durabilidade, ajuda a desenvolver receitas que podem servir para as variadas (e às vezes imprevisíveis) situações que enfrentamos nas ruas com o mesmo par de pneus.”
Visitando o centro de desenvolvimento da fabricante pude testar uma esportiva que tinha um novo modelo de pneu esportivo instalado, programado para lançamento em 2017. E ficou evidente a evolução se comparado à versão que está à venda agora. Atingi velocidades superiores a 300 km/h e em curvas de alta a estabilidade nitidamente atingiu outro patamar. É a MotoGP rendendo frutos para nossas motos.
