Fittipaldi conta que começou a correr (e vencer) com motos

O campeão de F1 e Indy relembra o início da carreira e conta o episódio que o tirou das corridas com motos

27/09/2019 10:49

Emerson Fittipaldi é conhecido como bicampeão de Fórmula 1, vencedor das 500 Milhas de Indianápolis e campeão da F-Indy. A poucos meses de completar 73 anos, o piloto permanece um dos três a vencer campeonatos nas duas categorias. Fittipaldi, Mario Andretti e Jacques Villeneuve foram os únicos. 

Poucos sabem é que a paixão do “Rato” pela velocidade começou sobre duas rodas. Na adolescência já ganhava provas no Autódromo de Interlagos com a “cinquentinha” emprestada pelo amigo e piloto Adu Celso. Uma década mais tarde Fittipaldi seria o primeiro brasileiro campeão da F1. E o amigo, que seguiu na motovelocidade, seria o primeiro brasileiro a ganhar uma prova do Campeonato Mundial. 

DR – Suas primeiras corridas foram de moto, em Interlagos, ainda na adolescência. Como foi esse início?

EF – Quando eu tinha 14 anos disse aos meus pais que queria correr de 50cc, mas minha mãe tinha muito medo. Em 1953, durante as 24 Horas de Interlagos, meu pai correu com uma BMW 500 e ficou em coma por causa de um acidente. Insisti tanto que eles deixaram, desde que ficasse só nas 50cc. Quem me emprestou a primeira moto foi justamente o Adu Celso, meu amigo de infância... tirávamos alguns rachas no Jardim Europa e no Morumbi com as cinquentinhas. Aliás, no Morumbi, desenhamos um traçado em um local sem casas que chamávamos de “Circuito do Abismo”, com uma ladeira e um cotovelo. Acontecia aos sábados, e a própria polícia ficava assistindo e ajudava a gente... outros tempos.

E como você se tornou piloto profissional?

A primeira corrida que ganhei foi no circuito do Morumbi, e tenho o troféu até hoje! Eu e o Adu fomos convidados a correr pelo Falcão Motoclube, já com carteira de piloto. E minha primeira vitória em Interlagos foi com uma italiana de 4 tempos que o Adu me emprestou. O engraçado é que ela tinha 8 cv, e quando meu neto Pietro começou a correr numa categoria de base da Nascar, com 14 anos, tinha um motor de 500 cv.

Essa parte da sua história foi curta, porque logo você migrou para o kart. Por que isso aconteceu?

É, foram só dois anos. Meu pai era amigo do Edgard Soares, que vendia motocicletas especiais na Alameda Barão de Limeira, na “Esquina do Veneno”. Perto da loja do Edgard, o Silvano Pozzi fabricava a Silpo, primeira motocicleta de competição brasileira, 175cc, que andava muito. Ele me ofereceu para correr as 100 Milhas de Interlagos com a moto, equipe de fábrica, um sonho. Mas tinha a promessa que fiz aos meus pais de correr só de 50cc. Treinei bastante, eu era pequeno, então voava na pista. Tinha umas 50 motos no grid e eu saí de trás dos boxes, com capacete e macacão emprestados. Depois de uns 100 km, eu estava em 3º na classificação geral quando a corrente quebrou na antiga Curva 3. Voltei para casa e minha mãe logo perguntou como tinha sido meu fim de semana. Disse que fui velejar na represa, mas ela estava nas arquibancadas de Interlagos com meu pai e eles me reconheceram pelo nariz. Ela me trancou na copa, levei uma vassourada [risos] e nunca mais corri de moto na vida. Perdi minha 50cc, uma Mondial que também usava para ir às aulas no Mackenzie, e passei a correr só de kart e barco. O Silvano continuou meu amigo, mas virou concorrente porque ambos começamos a construir karts.

Você foi o primeiro brasileiro a ganhar uma corrida na Fórmula 1, e o Adu o primeiro a vencer uma etapa do Mundial de Motovelocidade, em 1973, na 350cc. Como era esse ambiente que propiciou o gosto pela velocidade e todo esse sucesso nas pistas?

Desde criança, vivi muito na casa do Adu. E não foram só as corridas, gostávamos muito de mecânica também. Eu era meu mecânico, desmontava motor, câmbio, fiz a carenagem da minha moto. Usei uma chapa de alumínio e uma bolha do Willys Interlagos, que instalavam no nariz do carro. Meu pai montou uma oficina em casa. Eu só tinha a moto e virei o mecânico de kart do meu irmão. Ele ganhou o Campeonato Brasileiro de Kart, eu como mecânico, coisa que poucos sabem. E o Adu era a mesma coisa, tinha tudo quanto é tipo de motocicleta. Mas ele era mais apaixonado por motos, apesar de também ter corrido de carro.

Todo esse histórico mostra como você acompanhou o desenvolvimento da motovelocidade do Brasil. O que era mais característico do esporte naquela época?

O motociclismo tinha muito mais tradição no Brasil. A inauguração do Parque do Ibirapuera, em 1954, contou com uma corrida de motos vencida pelo John Surtees em uma Norton. Até contei para ele depois, quando estávamos os dois na Fórmula 1, que assisti àquela corrida. Foi espetacular, era a MotoGP da época. Vieram ingleses, italianos – com a Gilera, uma 4 cilindros que berrava bastante.

Depois da proibição de seus pais, você continuou andando de motos nas ruas? Soube que uma vez Roger Penske, seu chefe de equipe na Indy, te deu uma bronca...

Sempre tive moto. Tive BMW, Harley, Ducati... tudo quanto é tipo. A história com o Roger foi a seguinte: eu tinha uma Harley-Davidson Heritage Nostalgic, como aquelas antigonas, e quase tomei um tombo com ela em Miami, indo para um jantar. Estava garoando e, no meio de uma curva, quase perdi a moto e tive que tirar a mão para segurar. Contei para o Roger, que me mandou ficar esperto e parar com aquilo. 

Você tem uma coleção de carros, com uma paixão especial por Cadillac. E motos?

Motos não. Há alguns anos fui procurar a Silpo, do Silvano Pozzi, mas ninguém tem, nem a família sabe. Era uma moto linda, artesanal, uma peça de arte. Também procurei outros modelos que usei para correr, mas não encontrei, é muito difícil. A única moto de coleção que tenho é uma Bultaco. Eles, que na época dominavam o motocross e andavam na frente das japonesas, fizeram uma cross especial para mim, pintada da cor do meu capacete, que tenho até hoje. Ainda ando com ela, é uma bela 250cc de 2 tempos.   

Você falou sobre ter corrido com o Surtees, e outro campeão nas motos que conviveu com você na Fórmula 1 foi o Mike Hailwood. Os três correram de motos e carros. Qual a maior diferença de competir em cima de duas ou quatro rodas?

A trajetória de carros e motos na pista é muito parecida. Andei com o piloto Bruno Corano na Kawasaki Ninja ZX-10R em Interlagos, e foi espetacular usar a tecnologia de hoje. Fora o que anda: são 210 cv, que sobem a reta dos boxes parecendo um Fórmula 1. Hoje a moto está num nível técnico espetacular, diferentemente de antes, quando ficava mais distante do carro.

 

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