Coluna: corações valentes

Fausto Macieira trata da persistência dos motociclistas brasileiros diante das dificuldades de estar de moto no dia a dia

10/06/2014 17:44

Fausto Macieira é repórter do SporTV e colunista de Duas Rodas

Se você é motociclista e está lendo estas linhas, comemore, meu amigo, você é um coração valente. Você e eu temos algo em comum com o bravo escocês William Wallace, que no século 13 desafiou o poderoso Império britânico e liderou uma espécie de “Inconfidência Escocesa”.

Singrar as caóticas, instáveis, esburacadas – quando muito remendadas – e, sobretudo perigosas vias brasileiras equivale a cruzar vários campos de batalha todos os dias. E nós somos os rebeldes, talvez não querendo derrubar Vossa Majestade, mas certamente em busca da independência.

Ocá, Wallace não sobreviveu a seu “grito do Ipiranga”. A maioria dos que a ele se juntaram também morreu ou passou por ferimentos sérios e muitos dissabores. Wallace foi levado a julgamento em Londres, onde foi enforcado, decapitado e esquartejado, coitado. Para se livrar da pena macabra, bastaria dizer uma palavra: perdão. Mas em todas as vezes que lhe deram a chance de se manifestar, ele bradou a plenos pulmões: liberdade! A memória dele inspirou a independência da Escócia, em 1320. Mas no século 18 os sagazes políticos locais resolveram submeter novamente o país ao jugo do Império Britânico, para desencanto da população.

Essa história verídica lembra a de outro malucão romântico, o pensador suíço Jean-Jacques Rousseau. Radicado em Paris, ele dizia que o homem nasce livre, e em toda parte é posto a ferros. Para ele, os governos existem para proteger a vontade geral, regendo os direitos individuais e da coletividade. Essa visão despojada desagradou uma parcela influente da população francesa. Depois de se esconder em outros países, Rousseau colocou os filhos em um orfanato e voltou à França como andarilho, dedicando-se à botânica até morrer aos 66 anos.

Nas bancas: comparativos naked 1000, street 250/300 e trail 150

Pow, e o que essas duas biografias extraordinárias e infelizes têm a ver com o motociclismo? O que nos aproxima é a visão diferenciada, de boi desgarrado do rebanho, de ovelha negra da família. Nos dias de hoje o rebanho das grandes cidades trabalha formalmente, recebe salários compatíveis com a complexidade da profissão e tem estabilidade no emprego. Mora em casa própria, em processo de aquisição ou paga um aluguel que não compromete seus rendimentos e o bem estar da família. Desloca-se em veículo próprio ou usa o transporte público eficiente e pontual; eventual assistência médica é fornecida pelo Estado, que também garante a segurança, a educação e o direito de eleger seus representantes para elaborar e aplicar corretamente as leis. 

Como cantava o Renato Russo, que país é esse? Não é o nosso, e infelizmente está longe de ser. No enorme, variado e disperso Brasil a lei que impera desde os tempos do Império é a de Gerson (coitado, levou a fama), levar vantagem em tudo, a qualquer preço e sem olhar em volta.

Andar de moto no Brasil é um risco calculado, com vantagens visíveis em tempo e economia. Mas envolve um preço alto, a combinação de vias imprestáveis e ausência generalizada de consciência. A soma desses fatores leva o motociclista a olhar em volta o tempo todo, atento para o buraco, o óleo derramado, o veículo que muda de faixa sem avisar, o (a) motorista falando ao celular ou de olho na pessoa bonita do outro lado da rua. 

O que nos difere do pedestre-radical Wallace e do filósofo-andarilho Rousseau é que, convivendo diariamente com dezenas de situações incontroláveis, adquirimos reflexos apurados, olhar de lince e, sobretudo, total e contínuo otimismo. Precisamos de tudo isso cada vez que colocamos o elmo, ops, capacete, subimos na moto (de qualquer ano, cilindrada e estado de conservação) e ligamos o motor. Que a força esteja conosco e nos conserve aptos a aproveitar o veículo mais divino na face da Terra.

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