Entrevista: Marco Bonesso, preparador da Moto2

Há mais de duas décadas no Mundial, o brasileiro fala em entrevista exclusiva a Fausto Macieira sobre passado, presente e futuro da motovelocidade

14/11/2014 12:18

Fausto Macieira – Quais são as principais diferenças técnicas das três classes do Mundial de Motovelocidade?

Marco Bonesso – A categoria Moto3 é muito interessante. Apesar de o regulamento ser restritivo as motos são de elevada qualidade técnica, tanto na parte mecânica como eletrônica. São verdadeiros protótipos, que te permitem trabalhar em várias direções. Os jovens pilotos têm vários recursos para ajudá-los na pilotagem e, apesar de jovens, são pilotos de ótimo nível. É uma categoria bonita, muito disputada, onde os dez primeiros colocados brigam pela vitória. Na Moto2 você praticamente só trabalha no desenvolvimento do chassi, ou seja, a ciclística é crucial nessa categoria. Os outros recursos disponíveis são limitados. Na Moto2 quem faz realmente a diferença é o piloto, porque ele tem que se adaptar a várias situações nas quais não dispõe de certos recursos que poderiam ajudá-lo, como os utilizados na Moto3 ou na MotoGP (câmbio, controle de tração, etc.). A Moto2 se tornou imprescindível para que o piloto faça um salto de qualidade para a MotoGP, aprenda todos os segredos da geometria, ciclística e suspensões da moto. Também se aprende a utilizar os pneus corretamente durante a corrida. Ele tem que estar 100% concentrado durante todo o final de semana, pois é muito fácil perder posições em qualquer pequeno erro. A MotoGP é o máximo da tecnologia em mecânica e eletrônica, mas com custo muito alto. A tecnologia atual das motos oficiais oferece enormes recursos para ajudar nos acertos gerais da moto, o que é de grande ajuda para o piloto. Sem essa tecnologia seria quase impossível pilotar uma moto que hoje passa dos 230 cv.

Como está a Moto2 em termos de eletrônica? Você é a favor dessa ajuda na pilotagem?

MB – A evolução da Moto2 desde 2010 foi principalmente ciclística, aerodinâmica, nas suspensões e pneus. Nela o piloto praticamente não tem nenhuma ajuda da eletrônica, com exceção dos mapas de injeção e alguns canais da telemetria. Ele aprende a adaptar-se a várias situações. Sou contra a eletrônica resolvendo certos problemas da pilotagem.

Os pneus são um fator fundamental no desempenho das motos, e a MotoGP vai ter novo fornecedor em 2016, ano em que a programação da ECU obrigatória também será padronizada. Em que medida isso vai afetar as equipes?                                             

MB – Considerando que os pneus serão iguais para todos e com um único novo fornecedor, em 2016 veremos as equipes de fábrica refazendo chassis e outros componentes de ciclística para permitir que os pilotos oficiais encontrem o melhor acerto com os novos pneus. Quanto à eletrônica, sabemos que existe uma equipe de fábrica que não está gostando da ideia, porque hoje eles têm uma vantagem com relação às outras. Acredito que o campeonato será mais equilibrado entre as motos de fábrica e provavelmente diminuirá a diferença de tempo por volta para as equipes que não são de fábrica.

Falando um pouco dos pilotos, porque os espanhóis são os melhores atualmente e o que fazer para que tenhamos mais brasileiros no Mundial?

MB – Porque a Dorna, que é a organizadora do evento, investe no Campeonato Espanhol, com corridas transmitidas pela TV. Para que tenhamos mais brasileiros no Mundial é preciso criar um campeonato com pilotos jovens e motos competitivas, sempre contando com a ajuda da Confederação de Motociclismo e também dos patrocinadores, além de profissionais qualificados e experientes que possam ajudar esses jovens pilotos a crescer. Na Europa, setores importantes do governo apoiam o motociclismo como meio de transporte e também como esporte.

O que você acha da subida de Maverick Viñales para a Suzuki MotoGP e o salto de Jack Miller sem passar pela Moto2? Qual é o maior risco dessas mudanças?

MB – Acredito que é um risco muito elevado, que somente as fábricas podem se permitir. Os pilotos sabem bem que um passo em falso pode comprometer a carreira deles, mas como são muito jovens, é difícil resistir ao fascínio da MotoGP e ao dinheiro.

Você foi a primeira pessoa que me falou do Franco Morbidelli, que usa a bandeira do Brasil no capacete e é protegido de Valentino Rossi. Fale um pouco mais sobre ele.

MB – Me apresentaram o Franco junto com o pai em Mugello quando ele tinha 10 anos de idade. Na época ele corria com minimotos no Campeonato Italiano e já se destacava, com muitas vitórias e poles. Gostei da sua simplicidade, apesar de jovem ele não se exaltava mesmo com ótimos resultados. Sempre que nos encontramos trocamos ideias. Infelizmente ele teve um grave problema familiar no ano passado, às vésperas do início do Campeonato Europeu de Superstock 600. Na época ele perdeu o pai, que ajudava muito na carreira e o acompanhava sempre em todas as corridas. A situação financeira era difícil, pois ele vem de uma família simples e não tinha recursos para correr. Eu e outras pessoas próximas a ele ajudamos naquilo que era possível para que ele continuasse a correr. No início de 2014 tivemos uma conversa em sua casa, a respeito do campeonato que ele tinha ganhado e sobre as possibilidades para o futuro. Na época o Valentino tinha chamado Franco para participar do programa de pilotos da VR46. Eu disse a ele que participar do programa do Valentino era motivo de orgulho e uma garantia para a carreira. Muitas pessoas acreditam que só o fato de fazer parte do programa de treinamento do Valentino os levará a obter bons resultados, mas não é bem assim, ele teria que se dedicar muito para ter resultados, focando o trabalho. Só assim a carreira poderia deslanchar. Nas últimas corridas houve um grande progresso do Morbidelli, que começa a colher os frutos do seu trabalho e dedicação. Com tudo isso ele continua sendo a mesma pessoa que conheci lá em Mugello. Simplicidade, pé no chão, educado, honesto, esforçado e que sabe do seu potencial. Apesar de ter nascido na Itália, filho da Cristina, brasileira, Franco tem orgulho de mostrar as cores do nosso Brasil.

A Dorna assumiu também o Mundial de Superbike, no qual você já foi campeão com Raymond Roche. O que você acha que a “nova direção” pretende fazer?

MB – A categoria mudou muito nos últimos anos e os custos também aumentaram muito. O regulamento foi criado com motos derivadas de série, mas hoje as motos oficiais são diferentes das que são vendidas ao público, principalmente nos motores, que conseguem ter uma potência muito maior que a de uma moto de serie. Acredito que a Dorna voltará atrás, mudando o regulamento, que será bem restrito. Podemos presumir que serão motos como a STK de hoje. Também devem ser criadas novas categorias para atrair pilotos mais jovens, que no futuro possam participar do Mundial de MotoGP.

Em termos de eletrônica, qual é o grau de desenvolvimento das motos de Moto2 em comparação com as superstock 600 e as esportivas de rua?

A utilização da eletrônica na Moto2 é muito limitada. São poucos os canais disponíveis para a telemetria e é proibido o uso do controle de tração. A gestão dos mapas de injeção pode ser feita com os parâmetros que a telemetria fornece (sonda lambda). Já a parte de ponto de ignição só tem a disponibilidade de 3 graus a mais e a menos no ponto, o que evita danos ao motor. Também se pode alterar o freio motor. As superstock são praticamente originais, podendo modificar somente a parte interna da suspensão dianteira. Já na traseira o amortecedor original pode ser substituído. Não se pode usar qualquer tipo de sensor para adquirir dados (telemetria) e o CDI pode ser trocado por um fornecido pela fabricante da moto. Tirando o mapa de injeção, o resto também é bem limitado, não se pode alterar muita coisa.

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